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Voo 243 da Aloha Airlines — O Dia em que o Céu se Rasgou Dentro de um Avião

O início de um voo banal

Era 28 de abril de 1988, uma quinta-feira luminosa nas ilhas havaianas. O voo 243 da Aloha Airlines, um Boeing 737-200 de matrícula N73711, preparava-se para mais uma curta ligação entre Hilo e Honolulu. Um percurso de rotina, de apenas 35 minutos, conhecido de cor pelos tripulantes e tão habitual quanto apanhar um autocarro entre ilhas.


A aeronave, batizada Queen Liliʻuokalani, era velha conhecida dos céus do Pacífico. Tinha quase 20 anos de serviço e mais de 89 mil ciclos de pressurização, cada um correspondendo a uma descolagem e aterragem, e portanto, uma compressão e descompressão da fuselagem. No ambiente quente e salgado do Havai, o metal envelhece depressa. Mas naquela manhã, ninguém imaginava o que o destino guardava para o voo 243.


No cockpit estavam dois profissionais experientes: o comandante Robert Schornstheimer, 44 anos, e a primeira-oficial Madeline “Mimi” Tompkins, 36. Atrás, três comissárias de bordo iniciavam o serviço de bordo, entre elas, Clarabelle “C.B.” Lansing, a chefe de cabine, 58 anos, figura querida entre os passageiros frequentes da Aloha Airlines. O tempo estava limpo, o mar calmo e o humor, leve.


O relógio marcava 13h25 quando o Boeing 737 descolou de Hilo rumo a Honolulu, transportando 90 passageiros e 5 tripulantes. A tranquilidade seria breve.


A descompressão explosiva do voo 243 da Aloha Airlines.

Pouco depois das 13h46, já em altitude de cruzeiro, a cerca de 24 mil pés sobre o Pacífico, o silêncio foi rasgado por um estalo ensurdecedor, uma explosão seca, metálica, que ecoou pela fuselagem. Num instante, o teto da aeronave desapareceu.


Boeing 737 do voo 243 da Aloha Airlines pousado em Maui após a perda do teto em pleno voo, 1988.

Uma secção de quase seis metros da fuselagem superior foi arrancada como se uma mão gigante a tivesse rasgado. O céu azul invadiu o interior do avião.

Os passageiros das primeiras filas olharam para cima e viram o impossível: o espaço aberto, o vento a uivar, o som brutal do ar a entrar a centenas de quilómetros por hora. E, num golpe devastador, a chefe de cabine Clarabelle Lansing foi sugada para fora, desaparecendo diante dos olhos de todos, levada pelo vazio. Nunca mais seria encontrada.


Dentro do cockpit, o comandante Schornstheimer ouviu o estrondo e viu, por trás de si, o azul do céu onde antes havia o teto da primeira classe. “Parecia que o avião tinha sido rasgado como uma lona”, contaria mais tarde. O som era tão violento que a comunicação por rádio tornou-se quase impossível.


Os instrumentos vibravam, o ar gelado entrava como uma lâmina. A despressurização foi instantânea, e o oxigénio desapareceu. As máscaras caíram, mas nas primeiras filas, foram arrancadas pelo vento. Passageiros sufocavam, gritando, tentando respirar. A primeira-oficial Tompkins, atordoada, mal conseguia segurar os comandos. O comandante assumiu o controlo e iniciou uma descida de emergência rumo a Kahului, na ilha de Maui, o aeroporto mais próximo.


Na cabine, o caos. Bagagens voavam, fios e pedaços de metal pendiam do teto. As duas comissárias que restavam lutavam para se manter de pé, uma delas, Jane Sato-Tomita, sofreu ferimentos graves na cabeça; a outra, Michelle Honda, foi arremessada ao chão mas conseguiu agarrar-se ao corrimão e gritar instruções aos passageiros: “Fiquem sentados! Segurem-se!”


Durante 13 minutos, o voo 243 voou sem teto, sem oxigénio e sem garantias de integridade estrutural. O vento a 500 km/h soprava dentro do avião. Era um milagre que a fuselagem não se partisse em dois.


O milagre em Maui.

Às 13h58, o comandante alinhou o avião para pousar. O motor esquerdo começou a falhar. O trem de aterragem, danificado, poderia não travar. Mas não havia escolha. Schornstheimer manteve o nariz nivelado e conduziu o 737 até à pista 02 de Kahului.

O toque foi suave. Incrivelmente suave. O avião pousou. Inteiro.

A evacuação foi imediata. Passageiros cambaleavam pela pista, alguns cobertos de sangue, outros em choque, mas vivos. Todos os 94 sobreviventes conseguiram sair da aeronave. As equipas médicas, improvisadas, havia apenas duas ambulâncias em toda a ilha, usaram carrinhas de turismo para transportar os feridos. Sessenta pessoas precisaram de hospitalização.


A única vítima fatal foi Clarabelle Lansing, a comissária que desapareceu no ar, a cumprir o seu dever.


Clarabelle Lansing, comissária de bordo que perdeu a vida no voo 243 da Aloha Airlines.

O que aconteceu com o avião.

As imagens correram o mundo: o Boeing 737 da Aloha Airlines pousado com a parte superior completamente arrancada. O que se via era um avião mutilado, e, ainda assim, inteiro.


As investigações da NTSB revelaram a causa: fadiga estrutural severa. As chapas da fuselagem, unidas por uma técnica de colagem a frio e rebites embutidos, haviam desenvolvido milhares de microfissuras invisíveis a olho nu. Com o tempo e o calor húmido do Havai, o adesivo entre as placas corroeu-se e soltou-se.


Cada voo, cada pressurização, foi abrindo um pouco mais as fendas. Até que naquele 28 de abril, as fissuras uniram-se, e o teto cedeu.


O relatório foi brutal: a Aloha Airlines falhou ao não detetar os danos durante as inspeções. E a FAA, a autoridade norte-americana, foi criticada por não ter imposto inspeções mais rigorosas. A Boeing, por sua vez, teve de reconhecer que o design original das junções coladas era vulnerável à fadiga e à corrosão, um problema conhecido desde os anos 1970.

Uma passageira contou depois que, ao embarcar, viu “uma rachadura no teto do avião”, mas achou que fosse um risco de tinta. Era a primeira linha da ferida que horas depois abriria o céu.


Heróis no ar.

O comandante Schornstheimer e a primeira-oficial Tompkins foram celebrados como heróis. Mantiveram o controlo de um avião destruído, sem teto, sob ventos furiosos, e conseguiram pousá-lo sem partir a fuselagem.


Tripulação do voo 243 da Aloha Airlines que conseguiu pousar o avião após a descompressão explosiva.

Os passageiros lembram-se da calma deles. Um deles contou:

“Vi o céu. Vi o buraco. Pensei: é assim que vou morrer. Mas o avião continuava a voar.”

Outro disse:

“Foi o pouso mais suave da minha vida.”

E todos recordam Clarabelle Lansing, a comissária que desapareceu a servir um copo de sumo, símbolo de dedicação e dever até ao fim. O Aeroporto de Honolulu ergueu-lhe um memorial anos depois.


As consequências.

O acidente mudou a aviação para sempre.A FAA lançou o programa Aging Aircraft, criando regras inéditas para inspeções em aviões com muitos anos e ciclos. Passaram a existir limites estruturais de vida útil, e aeronaves antigas só poderiam continuar a voar após inspeções profundas ou reforços estruturais.


A filosofia de manutenção mudou: de “reparar depois da falha” para “prevenir antes da falha”. A Boeing reformulou o design das junções e emitiu novos manuais de inspeção. As companhias passaram a examinar as fuselagens com técnicas de alta precisão, capazes de detetar até microfissuras.


O voo 243 tornou-se símbolo e lição. Mostrou que a rotina mata a atenção e que o metal também envelhece silenciosamente.


A história que ficou.

Nos dias seguintes, os jornais chamaram-lhe “O Milagre em Maui”. As imagens do 737 sem teto correram o mundo, inspirando filmes, documentários e uma geração de engenheiros que nunca mais esqueceria aquelas cicatrizes de alumínio aberto ao sol.

A história do voo 243 não é apenas sobre falhas estruturais. É sobre coragem. Sobre o sangue-frio de uma tripulação que se recusou a desistir. E sobre 13 minutos que redefiniram o que é possível no céu.




Fontes

  • Relatório oficial NTSB (AAR-89/03)

  • Arquivos FAA – Aging Aircraft Program

  • History Channel – Seconds from Disaster: Hanging by a Thread

  • The Maui News (1988)

  • Los Angeles Times (1988)

  • Depoimentos de sobreviventes e tripulação


 
 
 

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